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29/03/2015

Uma lembrança.

Lembro-me como se fosse ontem da primeira festa de minha família após a morte do meu avô. Talvez não como se fosse ontem. Não me lembro se era um casamento ou uma festa de aniversário. Não me lembro de nada da festa, de quem a celebrava, de quem estava ou onde era, mas me lembro perfeitamente de algo que aconteceu e por um motivo inútil me voltou à tona.

Estávamos em uma mesa mamãe, papai e eu. Não me lembro sobre meus irmãos, eles não ficaram na memória. O cantor da festa resolveu cantar Nelson Gonçalves, e em sua ignorância sobre o contexto das pessoas, iniciou cantando ♪ Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim...

Vovô gostava de Nelson Gonçalves, gostava dessa canção.

Olhei para a mesa onde estava a minha avó na ocasião tão mais jovem e lúcida, distraída, conversando com alguém. Parecia não notar a triste coincidência que tomava o momento. Olhei para minha mesa, para o meu pai, e o vi olhando para o cantor. Olhar distante. Virou para mim e perguntou: "Percebeu a música?". Vi que estava triste. Em toda sua discrição peculiar ainda se mostrava triste. Não me lembro o que respondi a ele, mas eu percebi sim. 

Percebi aliás muitas coisas para um garoto de onze anos. Percebi a música, percebi a coincidência doída. Percebi a falta que alguém pode fazer. Percebi, talvez pela primeira vez, as consequências da morte. Percebi até o que não queria perceber: percebi que um dia alguém faltaria também em minha mesa. Naquele dia pai, percebi que deveria valorizar cada momento vivido. 

E assim tem sido.

Se não podemos segurar o tempo e o final do destino é sempre o mesmo, resta ao menos viver bem. Resta ao menos aproveitar. O remorso é o purgatório que se tem em vida. Como o da morte, este também cabe a nós decidir entrar.

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