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18/03/2015

Insônia.

Acordou no meio da noite sentindo uma forte dor no peito. No quarto escuro conseguiu encontrar o caminho da porta ainda que sentisse suas mãos trêmulas e o coração acelerado. Em seu pequeno apartamento onde vivia sozinho, ao invés de pedir socorro, escolheu se sentar em sua velha escrivaninha intencionalmente posicionada próximo à janela do cômodo que também servia de sala de estar. De certa forma, não sentia medo da morte. Tinha inclusive uma certa atração pela ocasião, por isso mesmo começou a escrever mensagens aos que ficariam, temendo não haver mais oportunidade para o fazer pessoalmente.

Lembrou-se das coisas que nunca disse e que sempre teve vontade. Pensou em seu tio que ficara em sua cidade natal e resolveu dizer-lhe o quanto sentia saudades. Lembrou do velho colega de trabalho e resolveu confessar-lhe sobre uma trapaça que lhe levara vantagem em uma aposta acordada anos atrás. Lembrou também do filho do porteiro, André, que havia conhecido alguns meses antes e sabia que estava a ingressar em um curso profissionalizante e recomendou-lhe seguir adiante os estudos, pois sempre valeriam a pena. Pensou em sua antiga amada, não a ex namorada, mas aquela do colégio que nunca se declarou, e resolveu dizer-lhe todas as coisas bonitas que sentiu na época e de algum modo ainda sentia.

E assim repassando rostos na memória, foi deixando recados, confissões, mensagens e conselhos a cada um que estimava, pois afinal Deus lhe havia dado a dádiva de prever sua morte, não deixando-o partir com um pingo de remorso por algo que não disse ou fez. Passadas as horas, terminou, e um raio de luz já despontava no topo do prédio do outro lado da rua. Não sentia mais dor, e nem questionou sobre o que poderia ter sido. Apenas levantou da escrivaninha e ralhou a noite não dormida por conta das horas enfadonhas de trabalho que teria pela frente.

Despiu-se, banhou-se, vestiu-se. E com apenas uma fruta fez o seu desjejum. Saiu para o trabalho e, estando vivo, esqueceu-se do que escrevera. E o tio não recebeu a mensagem, e o amigo não recebeu a confissão, e o filho do porteiro nunca leu seu conselho. Sua amada continuou sem saber de seu amor e todos os demais ficaram indiferentes e ignorantes às palavras dele.

O dia passou, e o outro. Como se a morte não existisse e um dia não chegaria. Ele passou o dia, e o outro, como se não existisse sentimento. Como se o importante da vida fosse só a vida, e não as pessoas.

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