Nunca fui contra a Campanha da Fraternidade, promovida pela
CNBB em caráter ecumênico desde 1964. Pelo contrário, acredito que se faz
necessário de tempos em tempos um levantamento das questões sociais mais
agravantes que por algum motivo passam despercebidas do olhar cristão.
Esse ano porém, muito tem me preocupado em todas as homilias
que ouço quanto à justificativa de tal campanha acontecer no tempo da quaresma.
O discurso é unânime: “A quaresma não serve para rezar mais, para jejuar mais.
Não adianta fazer isso só no tempo da quaresma enquanto se tem o ano inteiro
para fazer”. Tá certo, eu entendo a boa intenção envolvida nessa explicação.
Mas quais são os perigos que envolvem descaracterizar a quaresma enquanto tempo
de reforço nas orações? Afinal, o que é a quaresma?
A Tradição nos ensina que a quaresma é o período de quarenta
dias dedicados à preparação da Páscoa. O catecismo cita a quaresma no parágrafo
540, dizendo que “todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a
Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto”. Ainda no catecismo, é feita uma
reflexão sobre o porquê da quaresma. No parágrafo 1438 é dito que “Esses tempos
(incluindo a quaresma) são particularmente apropriados aos exercícios
espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de
penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha
fraterna”.
Portanto é nítido que a Igreja não deixa lacunas quanto ao
significado do tempo da quaresma. Acaso aprofundar-se mais na oração e no jejum
nesses quarenta dias é hipocrisia? Acaso não relembramos também os quarenta
dias que Cristo jejuou? Seria Ele hipócrita? Acredito que não.
Com tudo isso, São Josemaria Escrivá vem resumir dizendo que
“A quaresma coloca-nos agora perante estas perguntas fundamentais: Avanço na
minha fidelidade a Cristo? Avanço em desejos de santidade? Em generosidade apostólica
na minha vida diária, no meu trabalho quotidiano entre os meus companheiros de
profissão?”
A quaresma é portanto um momento de repensar, um marco anual
no qual podemos avaliar nossa caminhada parcial, perceber onde erramos,
descobrir qual próximo passo dar. É de suma importância entender o que a Igreja
pede quando propõe a quaresma. É de suma importância viver o que a Igreja pede
quando propõe a quaresma. A Campanha da Fraternidade poderia caber em outro
momento no tempo litúrgico comum mas, ainda que queiram coloca-la junto da
quaresma (talvez para observarmos os preceitos quanto à partilha fraterna), é
necessário que não se perca e não se distorça o significado total do tempo em
que vivemos. Se o grande questionamento levantado por alguns membros da Igreja
hoje é sobre se rezar mais no tempo da quaresma é hipocrisia, respondo a eles
com um grande questionamento meu: não seria hipocrisia levantar um tema social
no tempo da quaresma e depois simplesmente nunca mais falar disso? Vai saber...
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