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29/03/2014

A polêmica social como circo na República do Bananal

O assunto da moda nas redes sociais é a tal pesquisa divulgada pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Economicas Aplicadas) onde sugerem que 65% da população brasileira acredita que as mulheres que se exibem merecem ser estupradas. Foi o estopim para mais uma chata e impensada enxurrada de postagens sobre "nojo", "vergonha", "medieval" e blábláblá. Cara, você não faz ideia do quanto é brochante ter que ver sua linha do tempo repleta de chavões e ódio, todos os dias. Chego a sentir saudades de quando a unanimidade (e a cegueira) da linha do tempo das redes sociais era sobre o Big Brother ou a final da novela. O povo parece que se politizou. Só que não.

Antes que me crucifiquem, como alguns já querem fazer: Eu não sou a favor de estupro (na República do Bananal é preciso dizer o óbvio às vezes, rs), repudio toda forma ilícita de ação e sou contrário à impunidade. Por ser católico, acho ainda mais repugnante, pois além do problema social, enxergo valores "invisíveis" em tal crime: ele rouba a dignidade do ser humano e afeta a sacralidade do corpo. Por ser católico tenho provavelmente mais motivos do que você pra ir contra esse crime que beira à aberração. O culpado pelo estupro ser o estuprador está para mim assim como o culpado pelo assalto ser o assaltante. É o óbvio, quase não debatível.

A minha crítica aqui é com relação à essa pesquisa que, aparentemente sem motivo (Afinal o IPEA é de pesquisas ECONOMICAS, e eu não entendi o por quê disso até agora) fomentar um ódio e uma reação tão truculenta na população que está cada vez mais dividida. É estranho como cerca de 4 mil pessoas de repente se transformaram na opinião nacional. Será esse o mesmo tipo de amostra que aponta que o Brasil gosta da Dilma? Não se sabe como essas pessoas foram abordadas, não se sabe como foi a resposta dos entrevistados (afinal entrevistados de pesquisa no Brasil devem assinar um termo de sigilosidade, "nunca na história desse país" se viu UM por aí dizendo que respondeu), só se sabe o resultado disso: reações acaloradas, ódio implantado, ideologistas de causas pobres e o mais interessante pro governo: o abafamento da crise sem precedentes na qual a situação está passando, com a tentativa de abertura da CPI da Petrobrás.

Vê como tem cheiro estranho no ar? Vê como é bom não ficar repetindo bovinamente tudo o que sugerem que você repita? Vê como o que realmente iria mudar esse país mais uma vez ficou fora do foco e passou despercebido? Vê como você, eu e mais de 65% da população brasileira está sendo enganada? Vê como eles ganharam? E ganharam de novo...

23/03/2014

Guerra de classes também é guerra de gente

Sabe aquela paz almejada, desejada e que era um desejo de senso comum até muito pouco tempo atrás? Parece que ela está sumindo aos poucos das linhas dos discursos políticos cada vez mais inflamados de parte da juventude brasileira. Se antes morrer pelo país era algo tão burro e "medieval" que não merecia sequer atenção e debate, a cultura de morte na qual vivemos hoje nos convenceu de que devemos matar e morrer por muito menos.

Sendo brasileiro há uns 25 anos apenas, nunca tive exemplos realmente suficientes do que é o patriotismo. Aprendi na escola que "o patriotismo são duas pessoas pobres morrendo pelo interesse das pessoas ricas". Uma doutrinação perigosa, já que estimula a paz (negando o patriotismo) estimulando o ódio (entre as classes sociais). Dito e feito. Hoje somos milhões de pessoas que odeiam as guerras promovidas pelo patriotismo estadunidenses mas prontas a destruir alguém (seja física ou moralmente) apenas por não seguir cegamente seu ponto de vista.

A verdade é que já há uma ditadura, a ditadura das opiniões. Questionar, levantar uma opinião que não seja a corrente, já é motivo para você ser ridicularizado, ofendido e maltratado por ditos "amigos" como se a relação humana e de afeto pre-existente não fossem o suficiente para sobreviver a uma simples divergência de opinião.

As ofensas estão por aí. A intolerância está por aí. O ódio crescente por "homens, brancos e heterossexuais" já se tornou uma bandeira. Não há discurso que me convença de que para corrigir uma injustiça histórica, é necessário criar outra injustiça. A briga vigente hoje não é por libertação, mas por imposição de algo mais forte, mais truculento, mais injusto. Esquecemos contra quem lutamos. Talvez nunca soubemos de verdade. Lutamos pela insatisfação, mas sem distinguir um inimigo. 

Levamos a guerra em um estado deplorável. Não nos preparamos para ela, não estudamos sobre ela, não entendemos contra quem é ela e por isso somos presas fáceis de um costume que nos pede para nos escondermos atrás das máscaras e da anonimidade pois, afinal de contas, para protestar contra um inimigo invisível, nada como um protestante anônimo.

Eles venceram. Não há modo mais fácil de se conquistar um país senão dividindo sua população. Não há mais pessoas, não há mais dignidade humana. Há posições, há um fanatismo violento que ultrapassou as brigas dos campos de futebol. Essa guerra já existe, está presente em cada ofensa gratuita que você faz a alguém "do outro lado". Está implícita na sua falta de discernimento em perceber que todos somos iguais. O racismo começa aí, a escravidão começa aí, o genocídio começa aí: na incapacidade de enxergar no outro, alguém exatamente igual a nós.

Que Deus nos proteja de nossas próprias misérias, e que nos faça entender que quando brigamos com classes diferentes estamos brigando com pessoas iguais.

21/03/2014

E o principal fica fora do resumo...

"Nunca antes na história deste país", ou pelo menos nunca desde que me conheço por gente ficou tão clara uma divisão ideológica da população. Talvez se vivesse hoje o Cazuza não teria problemas em achar alguma ideologia pra viver pois afinal de contas elas estão aí, basta escolher e pegar a tua.

Como um supermercado de informações e opiniões, o Facebook chegou sem perguntar ao certo se o ser-humano já estava preparado pra ser tão social, e a verdade é que ele trouxe uma das coisas que o brasileiro mais gosta de fazer: ter e dar opiniões, mesmo sem entender muito "qualé que é" o assunto.

E nessa briga ideológica, não faltam ofensas e reclamações para com todos aqueles que se pensa estar do outro lado da divisão ideológica. Nessa salada de críticas e protestos, sobressai na minha linha do tempo diversas postagens e críticas para com a "manipulação da mídia". 

As críticas ficaram evidentes depois do trágico e grave ocorrido com a senhora Claudia Silva Ferreira que foi arrastada por um carro enquanto participava (ou pelo menos estava presente) em um protesto no Rio de Janeiro. O caso foi divulgado em toda a mídia "para aqueles que queriam ver", ou seja, nada de manchetes sensacionalistas e repetições massantes, daquelas que fazem até o monge mais isolado ficar sabendo que está rolando. O problema nesse caso é que a barbárie tem como protagonistas os "repugnantes, pobres, sub-humanos e chorumes" inimigos da nação: a Polícia Militar. Pronto! Fez-se o enredo para os militantes encherem a cabeça (e o saco) de todo mundo com o velho discurso de "parcialidade da mídia coxinha".

Não quero aqui de jeito nenhum defender a mídia de grande massa, ainda tenho um pouco de juízo antes de fazer isso mas... acusar alguém de parcialidade exige de quem acusa, no mínimo, ser imparcial. E será que quem acusa realmente é? Quem acusa com tanta veemência e raiva essa morte trágica, gasta a mesma energia com a morte dos PM's, quando estas ocorrem e também não são noticiadas pela mídia? Afinal o protesto é contra a morte de inocentes ou apenas mais um grito ideológico sem alma?

Afinal estamos chorando a morte de tantos brasileiros nessa guerra sem fim ou estamos usando-as apenas para alimentar "nosso lado" nos discursos calorosos de ativistas "facebookianos"? Não dá para entender até onde isso vai. Uns atacam a Veja, mas leem fielmente a Carta Capital. Outros fazem o contrário. "♪ E a gente aqui no meio, no meio da cegueira..."

Até quando meu Deus? Até quando?

19/03/2014

Fraternidade e Quaresma

Nunca fui contra a Campanha da Fraternidade, promovida pela CNBB em caráter ecumênico desde 1964. Pelo contrário, acredito que se faz necessário de tempos em tempos um levantamento das questões sociais mais agravantes que por algum motivo passam despercebidas do olhar cristão.

Esse ano porém, muito tem me preocupado em todas as homilias que ouço quanto à justificativa de tal campanha acontecer no tempo da quaresma. O discurso é unânime: “A quaresma não serve para rezar mais, para jejuar mais. Não adianta fazer isso só no tempo da quaresma enquanto se tem o ano inteiro para fazer”. Tá certo, eu entendo a boa intenção envolvida nessa explicação. Mas quais são os perigos que envolvem descaracterizar a quaresma enquanto tempo de reforço nas orações? Afinal, o que é a quaresma?

A Tradição nos ensina que a quaresma é o período de quarenta dias dedicados à preparação da Páscoa. O catecismo cita a quaresma no parágrafo 540, dizendo que “todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto”. Ainda no catecismo, é feita uma reflexão sobre o porquê da quaresma. No parágrafo 1438 é dito que “Esses tempos (incluindo a quaresma) são particularmente apropriados aos exercícios espirituais, às liturgias penitenciais, às peregrinações em sinal de penitência, às privações voluntárias como o jejum e a esmola, à partilha fraterna”.

Portanto é nítido que a Igreja não deixa lacunas quanto ao significado do tempo da quaresma. Acaso aprofundar-se mais na oração e no jejum nesses quarenta dias é hipocrisia? Acaso não relembramos também os quarenta dias que Cristo jejuou? Seria Ele hipócrita? Acredito que não.

Com tudo isso, São Josemaria Escrivá vem resumir dizendo que “A quaresma coloca-nos agora perante estas perguntas fundamentais: Avanço na minha fidelidade a Cristo? Avanço em desejos de santidade? Em generosidade apostólica na minha vida diária, no meu trabalho quotidiano entre os meus companheiros de profissão?”

A quaresma é portanto um momento de repensar, um marco anual no qual podemos avaliar nossa caminhada parcial, perceber onde erramos, descobrir qual próximo passo dar. É de suma importância entender o que a Igreja pede quando propõe a quaresma. É de suma importância viver o que a Igreja pede quando propõe a quaresma. A Campanha da Fraternidade poderia caber em outro momento no tempo litúrgico comum mas, ainda que queiram coloca-la junto da quaresma (talvez para observarmos os preceitos quanto à partilha fraterna), é necessário que não se perca e não se distorça o significado total do tempo em que vivemos. Se o grande questionamento levantado por alguns membros da Igreja hoje é sobre se rezar mais no tempo da quaresma é hipocrisia, respondo a eles com um grande questionamento meu: não seria hipocrisia levantar um tema social no tempo da quaresma e depois simplesmente nunca mais falar disso? Vai saber...
 
Copyright 2014 Cristiano Borges