Já não encontro teu túmulo com facilidade. A grama renascente funde-se às outras gramas, camuflando os rastros daquele dia no qual estávamos todos ali, ao seu redor, enquanto nos despedíamos pela última vez.
Dói-me o tempo que me distancia de ti, daqueles dias sofridos em que mais nos doía sua dor do que qualquer fadiga. Sinto ainda o cheiro do corredor do subsolo, as pessoas, os outros doentes, as televisões ligadas nos jogos do mundial. Sinto o clima, a expectativa, o jardim com o terço e minha sempre doce companhia. Sinto as idas, vindas, o caminho no carro em silêncio sepulcral.
Sinto a doce brisa da manhã no banco em que estava quando recebi a ligação. Revejo a pista, o trânsito, o estacionamento. O guarda a me barrar pela falta de horário e a se compadecer quando soube o motivo. O elevador (tão demorado naquelas circunstâncias), o mesmo corredor, as mesmas pessoas, os mesmos doentes, menos você. O abraço apertado que dei em minha mãe, e a visão da porta entreaberta enquanto manipulavam teu corpo. Sua dor não mais doía, por isso a nossa também não. Foi trocada de súbito pela dor da falta, da saudade. Lágrimas. O lençol branco a te cobrir e meu último beijo. Foi um só, não quatro. Mais dor. Levaram-te. Sobrou o quarto, aquelas coisas e minha mãe. Fui correndo socorrê-la e era ela quem me socorria. Juntamos tudo numa cerimônia dolorosa de encerramento.
Nem faz tanto tempo. Ainda está tudo aqui, ainda há evidência do que aconteceu naquela grama já quase toda verde. A lembrança que dói me é essencial, não quero perdê-la. Por isso repito: dói-me o tempo que me distancia de ti. Dói-me o processo natural da morte das memórias. Dói-me imaginar não sentir, não lembrar, não reviver. Pois enquanto o faço, ainda estás aqui, ainda há tempo.
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