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13/05/2019

Meus 31 anos

Sou a soma de todos os dias desses 31 anos que completo hoje. Nesse tempo me alegrei com quem nasceu, chorei a morte dos que se foram, andei por lugares que sonhava ou por outros tantos que jamais imaginaria. 
Conheci pessoas de todos os tipos, de muitas origens e opiniões. Algumas reconheci na primeira vista, e sabia que comigo ficariam. Outras duraram o que duraram, algumas o tempo de uma única conversa, ao ponto de lembrar sequer o nome: todas carrego comigo.
Provei infinitos sabores, texturas, climas. Experimentei a distância, a saudade e a solidão. Dei e tive colo, magoei e fui magoado. Vivi consciente os melhores momentos que poderia ter. Tenho amigos, bons amigos, e uma legiao de pessoas que não convivo, mas que rezo e amo em silêncio. Afastei gente que eu não queria, mas aprendi e fiz o que pude.
Aprender aliás, foi uma constante: busquei saber tudo o que estava ao meu alcance, só para saber, para tentar entender. 
Como ao Nietzsche, a vida não me desapontou. Também gosto cada dia mais dela, ainda que ela me leve a um futuro que temo, e que é inevitável. 
Acerca do medo, tenho muitos. Não me fazem recuar, pois tenho um travesseiro, um colo e uma prece. Aos 31 anos meus medos mais doem do que assustam.
Sinto saudades da minha infância, enquanto me fogem o cheiro e as lembranças dela. Começo  a sentir saudades da juventude. Os novos tempos não são ruins, mas sempre tive dificuldade pras mudanças, e agora parece que as dificuldades aumentaram.
Hoje amo mais do que sempre amei. A miopia aumenta, mas enxergo muito mais.
Algumas coisas não mudaram depois dos trinta:
- a água correndo no vidro do carro quando chove ainda me encanta;
- me sinto feliz quando vejo meus pais;
- me apego às lembranças que os objetos guardam;
- ainda cumprimento mentalmente os estranhos que cruzo, e fico a me perguntar quais histórias incríveis eles teriam para me contar.
Fazer 31 anos é acabar de vez com qualquer prodígio. Quem liga para o que um adulto não brilhante (ou idiota demais) pensa ou faz?
Esse texto não acaba. Não consigo finaliza-lo. Assim como minha vida, que espero que de estenda, de preferência como está, mesmo que seja impossível.

16/04/2019

Já não encontro teu túmulo com facilidade...

Já não encontro teu túmulo com facilidade. A grama renascente funde-se às outras gramas, camuflando os rastros daquele dia no qual estávamos todos ali, ao seu redor, enquanto nos despedíamos pela última vez. 

Dói-me o tempo que me distancia de ti, daqueles dias sofridos em que mais nos doía sua dor do que qualquer fadiga. Sinto ainda o cheiro do corredor do subsolo, as pessoas, os outros doentes, as televisões ligadas nos jogos do mundial. Sinto o clima, a expectativa, o jardim com o terço e minha sempre doce companhia. Sinto as idas, vindas, o caminho no carro em silêncio sepulcral. 

Sinto a doce brisa da manhã no banco em que estava quando recebi a ligação. Revejo a pista, o trânsito, o estacionamento. O guarda a me barrar pela falta de horário e a se compadecer quando soube o motivo. O elevador (tão demorado naquelas circunstâncias), o mesmo corredor, as mesmas pessoas, os mesmos doentes, menos você. O abraço apertado que dei em minha mãe, e a visão da porta entreaberta enquanto manipulavam teu corpo. Sua dor não mais doía, por isso a nossa também não. Foi trocada de súbito pela dor da falta, da saudade. Lágrimas. O lençol branco a te cobrir e meu último beijo. Foi um só, não quatro. Mais dor. Levaram-te. Sobrou o quarto, aquelas coisas e minha mãe. Fui correndo socorrê-la e era ela quem me socorria. Juntamos tudo numa cerimônia dolorosa de encerramento.

Nem faz tanto tempo. Ainda está tudo aqui, ainda há evidência do que aconteceu naquela grama já quase toda verde. A lembrança que dói me é essencial, não quero perdê-la. Por isso repito: dói-me o tempo que me distancia de ti. Dói-me o processo natural da morte das memórias. Dói-me imaginar não sentir, não lembrar, não reviver. Pois enquanto o faço, ainda estás aqui, ainda há tempo.

08/04/2019

O indizível às vezes é simplesmente indizível.

Gostaria muito de poder dizer-te, mas antes deveria saber o que. Não é que eu não faça caso e por isso não saiba nada sobre isso. Pelo contrário, minha mente inquieta se aprofunda e se perde: um mergulho em busca de ar. O indizível às vezes é simplesmente indizível.

A isso deram o nome angústia.

Não poucas vezes a palavra "saudade" foi exaltada, por estrangeiros e lusófonos quanto à sua beleza,  profundidade e significado ímpar. Não sem méritos, de fato, mas deveria haver também poemas para a angústia. Não a literatura do Graciliano, ou o clássico do Camus, mas uma divulgação massiva de seu subjetivo significado,  de modo que seu uso fosse melhor aproveitado no cotidiano de quem fala português.

Tenho angústia.  E é isso. Já está tudo dito.

25/01/2019

Às vezes tenho inveja do Esteves sem metafísica...

Às vezes tenho inveja do Esteves sem metafísica. Talvez eu o seja, e possua em mim não a metafísica, mas a arrogância de acreditar ter. De qualquer modo tenho inveja: de ser ou de reconhecer. Ninguém vive a vida com mais sentido do que aquele não se pergunta sobre.

Ah sim, nada como um pensamento crítico, uma consciência pessoal e social. Nada como uma opinião. Blah... Nada como acordar, trabalhar, cansar, descansar, acordar, trabalhar, cansar e no seio de todas as coisas, como numa metástase, conviver com quem se ama/se odeia/se relaciona. Um ato bovino? Pois é. Bovino? Não sei. Não enxergo olhar mais profundo (e também fundo, do cansaço) que o olhar de um "boi".

Sofrimento: quem não o tem? Que luta vale a pena lutar? De certo elas existem... causas, lutas e conquistas. As que valem a pena existem. Ainda não sei se a encontrei ou se sou "metafísico" demais. Niilista talvez, mas essencialmente feliz, quando bovino e essencialmente... sei lá, quando não sei.
 
Copyright 2014 Cristiano Borges