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26/04/2018

Uma história...

Mais uma tarde sozinho. O quarto que estou não é mais preenchido que os demais cômodos dessa rua tão habitada outrora. Muitos vagam pelas calçadas ou passam desesperados em seus carros. Estão de passagem, de lá para ali, de ali para não sei onde. Não param, nunca, e nem sequer olham. Passam por um corredor escuro e infinito como se as fachadas das casas não protegessem imóveis, mas fossem meras paredes, mero cenário. Não posso culpá-los, de fato o é.

Nos meados da minha vida adulta, era tão diferente. Lembro-me quando a conheci e quando aqui chegamos com nossas malas e nossos sonhos. Fugidos de uma realidade que não nos cabia, esta casa foi desde o primeiro dia nosso mundo, nossa guarida. Os vizinhos todos novos também. As janelas abertas com varais e roupas. Nossa rua era nosso mundo particular. As pessoas, os vizinhos, o verdureiro, o jornaleiro. Cada personagem compunha um universo à parte neste bairro que já foi distante do centro e hoje, dado o progresso, é perto.

E mais, muito mais do que a rua, essa rua hoje tão cinza e gasta, havia o nosso apartamento. Nosso tão doce espaço, quase um esconderijo, onde éramos só nós.

(Preciso sair. A escrita continuará. A história, não.)

12/03/2018

Nunca senti a necessidade de saberem que sinto

Nunca senti a necessidade de saberem que sinto, todavia o faço com fervor. Desde que a inconstância da minha adolescência passou, já não sinto necessidade de expressar nada nas rodas de conversa, e guardo-me sempre em um diálogo paralelo entre mim e minhas circunstâncias. Sinto, vejo, considero, concluo, reviso, questiono, desisto. Tudo durante o breve olhar silencioso e admirado que lanço sobre as pessoas que estão a falar.

30/01/2018

Sobre a extinta simplicidade...

Se viver é tão simples, por que ao mesmo tempo não é? Estamos nós a complicarmos ou os fatos estão tão bocados decadentes que viver, especialmente agora, é realmente difícil?

Não faz muito tempo, li em algum livro sobre alguma nuvem de angústias e incertezas que viviam o povo do declínio da Idade Média. Tudo se encaixa: quando uma era se declina para o início de outra, há tantas transformações e inseguranças que o pobre coração humano parece não aguentar. Convenci-me por alguns momentos e em seguida voltei a ficar perturbado: não devo estar triste por causa da época ou porque estou fadado a ser.

Pode até ser soberba, essa coisa de querer ter os méritos da própria tristeza. Complicar sim mas por si próprio. De onde vem não deveria fazer diferença, mas faz. Porque o sentir vai além de uma consequência. Sentir, coisas boas ou más, necessita passar pela decisão de o fazer: sinto o que sinto, e sinto o fazer-me sentir.

Pois é, duas teorias e nenhuma explicação. O carma ou a decisão? Recolho-me aos meus pensamentos e percebo que não falei sobre nada o que queria dizer, mas sigo em frente. O fato é que quero dizer que complicamos realmente as coisas, a vida, o trabalho, a poesia. E tudo isso dói, porque não deveria ser assim. Por que então não somos o que deveríamos ser? Que tendência é essa de fugir do que é bom?

A teologia diz que há de fato um porquê, mas distancia ainda mais do meu controle. Não eu quem decide ser assim, e nem o declínio da minha época, mas minha própria natureza. Sou um prisioneiro de mim mesmo e das minhas circunstâncias. Alma infeliz é a minha que não se socorre e renega ajuda. Se viver é tão simples, por que não sou simples? Sigo buscando, e tentando, e tentando...
 
Copyright 2014 Cristiano Borges