Fazia frio na rua enquanto as pessoas passavam apressadas com seus agasalhos em todas as direções. Eu estava em minha mesa preferida do costumeiro café onde gostava de me informar dos assuntos do dia. Amante da rotina, não me era estranho a maioria dos rostos que como eu frequentavam o local. O palco estava montado para aquela que parecia ser apenas mais uma manhã como todas as outras: o Seu Domingos no balcão atarefado em executar os pedidos, a garçonete cujo nome nunca perguntei atendendo às mesas do lado do pequeno salão onde minha mesa ficava, a outra garçonete mais para perto da porta.
Mas não era uma manhã qualquer. Duas mesas à frente encontrava-se uma moça delicadamente vestida. Com o casaco apoiado em outra cadeira, expunha uma blusa em tons claros enquanto se distraia com um livro. Sua imagem ali sentada me passou um ar de tranquilidade e ternura. Ainda que nunca a tivesse visto, senti-me como se estivesse em casa a olhar para uma velha conhecida. Fiquei a pensar o porquê daquela sensação. Eu não era de me aproximar das pessoas, e sentia-me muito bem e satisfeito apenas comigo mesmo. Não era tido por casmurro apenas pela quietude com que levava a vida. Se não era dos mais vívidos, ao menos não era amargurado. Portanto aquilo que senti quando olhei para aquela mulher realmente me deixou intrigado.
Pela primeira vez em muitos minutos, ela levantou a cabeça e resolveu olhar em minha direção. Demorei algum tempo até perceber que estive ali a encarando durante toda minha divagação mental. Tentei disfarçar, mas já era tarde. Ela levantara de sua mesa e estava em minha direção.
- Por que está me olhando? – Questionou-me com o sorriso mais doce que minha lembrança guarda.
- Me desculpe. – Respondi, virando o rosto com a estúpida vergonha que sempre me acompanhava. Ficamos em silêncio por uns eternos trinta segundos. Talvez ela estivesse esperando alguma reação minha. Talvez estivesse me esperando convida-la para sentar.
- Então tudo bem – Ela disse, por fim. – Até logo!
Despediu-se. Mas não estava tudo bem. Numa fração de segundo atrasada, sempre atrasada, fui invadido pelas mais variadas respostas que seriam tão mais fiéis ao que sentia. Por que a olhava senão por ser bela? Qual motivo a mais precisaria senão ela própria, com sua beleza tão singela que ia além dos traços físicos e terminava em uma aura quase angelical que pairava sobre sua feição. Era linda porque era, porque Deus quis assim, e por isso a olhava, não como quem a desejasse – e eu a desejava, sim - mas como quem descansa a alma na beleza que vê. Isso não importava agora. Ela havia partido para qualquer lugar, sem ter deixado qualquer detalhe que eu pudesse localiza-la.
Paguei meu café e saí. Na rua as pessoas continuavam a passar. Olhei para todas elas e não vi nenhuma. Estava sozinho, por fim, como sempre estivera.