Páginas

18/05/2015

Quase-conto de um pequeno encontro

Fazia frio na rua enquanto as pessoas passavam apressadas com seus agasalhos em todas as direções. Eu estava em minha mesa preferida do costumeiro café onde gostava de me informar dos assuntos do dia. Amante da rotina, não me era estranho a maioria dos rostos que como eu frequentavam o local. O palco estava montado para aquela que parecia ser apenas mais uma manhã como todas as outras: o Seu Domingos no balcão atarefado em executar os pedidos, a garçonete cujo nome nunca perguntei atendendo às mesas do lado do pequeno salão onde minha mesa ficava, a outra garçonete mais para perto da porta. 

Mas não era uma manhã qualquer. Duas mesas à frente encontrava-se uma moça delicadamente vestida. Com o casaco apoiado em outra cadeira, expunha uma blusa em tons claros enquanto se distraia com um livro. Sua imagem ali sentada me passou um ar de tranquilidade e ternura. Ainda que nunca a tivesse visto, senti-me como se estivesse em casa a olhar para uma velha conhecida. Fiquei a pensar o porquê daquela sensação. Eu não era de me aproximar das pessoas, e sentia-me muito bem e satisfeito apenas comigo mesmo. Não era tido por casmurro apenas pela quietude com que levava a vida. Se não era dos mais vívidos, ao menos não era amargurado. Portanto aquilo que senti quando olhei para aquela mulher realmente me deixou intrigado.

Pela primeira vez em muitos minutos, ela levantou a cabeça e resolveu olhar em minha direção. Demorei algum tempo até perceber que estive ali a encarando durante toda minha divagação mental. Tentei disfarçar, mas já era tarde. Ela levantara de sua mesa e estava em minha direção.

- Por que está me olhando? – Questionou-me com o sorriso mais doce que minha lembrança guarda.

- Me desculpe. – Respondi, virando o rosto com a estúpida vergonha que sempre me acompanhava. Ficamos em silêncio por uns eternos trinta segundos. Talvez ela estivesse esperando alguma reação minha. Talvez estivesse me esperando convida-la para sentar.

- Então tudo bem – Ela disse, por fim. – Até logo!

Despediu-se. Mas não estava tudo bem. Numa fração de segundo atrasada, sempre atrasada, fui invadido pelas mais variadas respostas que seriam tão mais fiéis ao que sentia. Por que a olhava senão por ser bela? Qual motivo a mais precisaria senão ela própria, com sua beleza tão singela que ia além dos traços físicos e terminava em uma aura quase angelical que pairava sobre sua feição. Era linda porque era, porque Deus quis assim, e por isso a olhava, não como quem a desejasse – e eu a desejava, sim - mas como quem descansa a alma na beleza que vê. Isso não importava agora. Ela havia partido para qualquer lugar, sem ter deixado qualquer detalhe que eu pudesse localiza-la. 

Paguei meu café e saí. Na rua as pessoas continuavam a passar. Olhei para todas elas e não vi nenhuma. Estava sozinho, por fim, como sempre estivera.

14/05/2015

Apenas mais uma carta de (ex) amor

Não deu. Se estás a ler esta carta é porque não estou tão perto o suficiente para conversarmos ao pé do ouvido. Significa que não deu. Suas escolhas o levaram para tão mais longe de mim que qualquer acaso poderia afastar. Já não estás nessa cidade, já não estás em meus círculos, já não fazes parte da minha realidade.
Tínhamos tantos sonhos iguais, lembra-se? Éramos tão parecidos que parecia fato vivermos para sempre juntos, algo de que nem se é preciso planejar. Apenas aquilo nos diferenciava, aquele pequeno detalhe que tudo mudou: você queria o mundo, eu queria nossa casa. E não estava louca por pensar assim. Lembra-se quantas tardes perdemos em nosso paraíso infinito no quintal do fundo, onde ali haviam duas árvores uma rede? Lembra-se de que nada mais precisávamos para rirmos de nós mesmos e dos outros sem que nada nem ninguém nos condenasse?
Mas você queria mais. Mais? Tivestes de menos. Menos carinhos dos carinhos que eu fazia em ti. Menos tempo para se perder em tardes ociosas ao canto indefinido dos pardaizinhos que ciscavam pelo chão. Conquistastes o mundo na cidade em que vives mas perdestes tua casa em troca de meros imóveis de luxo.
Sei que em nossas cabeças surgirão desculpas. "Não era para ser", inventaremos em algum momento de consolo próprio. Mas você e eu sabemos que pode ser que fosse, e que o fardo de carregar consigo as consequências da vida pode ser pesado demais para não decidir com o destino.
Existe o destino? Creio eu que não. O destino está mais para as chatas leis de um tal de Newton. São consequências, tal como um impulso físico, uma mera consequência. Tens o que decidistes ter e perdestes o que não quisestes. O destino por fim sempre se casa com a lógica. Mas e o coração? Este se engana. Não pelos outros, mas por nós mesmos, a cada desculpa esfarrapada que inventamos e chamamos de sabedoria.
Talvez tenha sido culpa minha, talvez tua. Talvez não haja culpa, mas apenas as consequências de dois corações incautos que resolveram a seguir a si próprios. Deveríamos saber que a razão sempre vence: "o destino por fim sempre se casa com a lógica", lembra-se? Mas tanto faz. Nossa história é tão boa quanto todas as outras. Lamento apenas o fim precoce, mas de qualquer modo haveria fim.
Adeus.
 
Copyright 2014 Cristiano Borges