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30/06/2014

Crônica de uma boa noite

Guarulhos, sexta-feira. Passava da meia-noite e lá eu me encontrava em uma rua qualquer da periferia. Fazia frio e o clima convidava para uma boa noite de cobertas, pipoca e filme. Ainda assim havia uma pequena movimentação na frente daquela casa cujos donos nem conheço o nome. E nem precisou saber. Ao aproximar-me, fui bem recebido e nem precisei me explicar, fui convidado a entrar. Estava ali após um convite inusitado de um amigo: "Vamos rezar o terço?". "Ok!" Foi assim que saímos de Campinas para experimentar o inesperado.

Ao entrar na casa, lá nos fundos, em uma varanda, mal pude acreditar: mais de 60 jovens sentados, esperando a oração começar. Acomodei-me e pude observar a todos ali presentes. Homens, mulheres, negros, brancos, loiros, e toda a diversidade que se pode encontrar. Todos devidamente agasalhados, mas felizes. Encontrei muitos sorrisos naquela noite.

E iniciou-se o terço, com a participação de todos. Sem conversas paralelas, sem grandes espetáculos (dois violões acompanhavam as vozes na hora que se era para cantar). Entre um mistério e outro, uma singela e significativa apresentação teatral. Ciente da mística que envolve o terço cheguei a imaginar Maria por ali, feliz em ver tanta gente atendendo seu pedido, mas confesso que passou pela minha cabeça: "devem estar aqui pela festa que acontecerá depois".

Doce engano.

Ao término do terço, com os corações aquecidos todos se levantaram, cumprimentaram-se e me acolheram ainda mais. Aos poucos foram se despedindo e indo embora. Outros insistiam em ficar e na pauta das conversas, sempre uma partilha de experiências. Iam embora prometendo se encontrar na próxima sexta-feira, como tem acontecido nas últimas mais de 60 sextas-feiras desde que eles decidiram, em um momento de dor, iniciar o grupo. Fui embora também, sentindo-me em casa, em família, com novos amigos e novas experiências.

Estiveram lá para rezar, simplesmente porque rezar é importante. E naquele anônimo encontro percebi a grandeza de nossa fé. Estamos vivos e estamos por aí quando menos se espera, mais fortes do que se pode imaginar.

É bom ser católico, é bom ser família onde quer que eu vá.

Que Deus nos abençoe.

27/06/2014


"Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias."

Assim Drummond começa um poema, assim começo esse texto. Ao contrário dele, permaneço sem saber o que dizer. Há tanto o que se dizer! Mas quando? E por que?

Das escritas que faço, dos sentidos que busco, falta-me ainda descobrir o prazer de partilhar ao outro. Não cabe em mim, mas é meu. Sentimento egoísta de reter tudo em mim. Afinal quem poderia querer me conhecer? Quem conseguiria, de fato, me entender?

Gosto de quem sou. Cometo erros imperdoáveis, mas no geral, gosto de ser quem sou. Gosto de lidar comigo mesmo e a convivência interior, acredite, está impecável. Eu me conheço. Eu me entendo. E não preciso de grandes e chatas explicações para dizer o que quer que eu diga, para explicar o que quer que eu veja, para traduzir o que quer que eu sinta.

Sou um homem comum que às vezes se aflige por perceber que não há nada extraordinário ao seu redor. A vida segue imitando o vídeo, o mundo segue dando voltas (atmosféricas ou históricas). A imbecilidade que enxergo em tudo não me assusta: já ocorreu, está ocorrendo, infelizmente ainda mais ocorrerá. Os textos anteriores nesse blog, tão racionais e analíticos, foram escritos por alguém que se esforçou muito para tentar dar o menor grito de alerta. Tentar fazer o meu papel, ser sociedade, se importar com a sociedade. Bobagem. Todo mundo faz o que quer e o humano sempre gostará de trilhar os mesmos caminhos. Vejamos qualé que é. Amemos quando essa for nossa última riqueza, morramos honrando aquilo que realmente importa a um homem: a fidelidade à às coisas que teve fé.

É o que chamamos de princípios. É o que nos faz sermos nós mesmos. Sou feliz sendo eu mesmo. Sigo com os erros imperdoáveis, mas no geral, gosto de ser quem sou. Não me falta os outros e, quem me falta, já está aqui. 

Ciclos. No fundo tudo são ciclos. E quem pode parar essas engrenagens? Ao menos o humano, este, já provou que ele não é.


 
Copyright 2014 Cristiano Borges