
Acabo de chegar em casa após meu último jantar enquanto namorado da Adriana. Amanhã é o grande dia. O dia da minha vida no qual eu pedirei minha namorada em casamento. Como imaginei, os momentos que antecedem esse acontecimento são uma grande mistura de sensações, deixando-me ao mesmo tempo eufórico e anestesiado, entre outros paradoxos que nem consigo escrever aqui.
Chove lá fora, como choveu já tantas noites antes dessa aqui. Meu solitário quarto com suas centenas de livros, carros e miniaturas inanimadas permanecem iguais ao que sempre foram antes. Mas algo hoje não está igual. Meu coração se despede com uma estranha naturalidade da vida que estou deixando. Eu nunca fui noivo, e amanhã terei a oportunidade de ser. É um passo, um grande passo. Talvez o maior deles. Não me senti assim no meu primeiro dia de aula, não me senti assim quando escolhi minha faculdade. Nunca me senti assim antes de qualquer entrevista de emprego ou primeiro dia de trabalho, mas hoje a noite, após despedir-me da minha amada namorada, estando agora a escrever pela última noite sem nenhuma aliança nos dedos, isso realmente mexe comigo.
Não tenho medo, ajo até estranhamente natural diante de tudo. Apenas uma parcela em mim, a parcela do pequeno garoto que fui (e fiz questão de não deixar morrer completamente) me lembra de que esse dia foi muito esperado. O Cristiano de uma década ou duas atrás já pensava nisso como uma gigantesca aventura a percorrer. Gigantesca, porém distante, longínqua, e assim passava a não me importar e a esquecer.
Mas eis que o dia chegou. Amanhã pedirei a uma incrível mulher que me compartilhe a vida. Ouso propor a ela que suba ao altar de Deus comigo. É uma grande responsabilidade. Amanhã não farei "apenas" um pedido. Amanhã direi a ela que estou pronto. Pronto para não ser mais um menino. Pronto para abdicar meu quarto com a parede da cor que escolhi e das coisas nos lugares que eu deixei. Estou pronto para num futuro próximo deixar o meu bairro e não encontrar mais amigos de infância em pequenas caminhadas ao redor do quarteirão. Pronto para não ouvir mais as campainhas constantes das visitas inesperadas para conversar na sacada ou jogar vídeo-game. Bom, ao menos o vídeo-game eu vou levar quando me casar. Mas já não terei tantos amigos próximos para jogar os cada vez mais raros campeonatos de futebol. Tudo bem, é a vida. E hoje passo mais tempo olhando para a casa que há de chegar, para os filhos que hão de chegar, para os momentos que eu sei que terei do que para aquilo que eu vou deixar.
Crescer deve ser isso: É abrir mão daquilo que muito se amou sem que se doa tanto. É sentir um frio na barriga às vésperas de um dos dias mais importantes da vida, mas sem que haja desespero e vontade de voltar atrás. Estou pronto enfim, e sei que Deus me ajudará nessa grande aventura que começa agora. Terei uma noiva e serei um noivo. Que eu consiga e saiba honrar o sim dela, se vier. Que eu seja sempre merecedor do sim dela. Amém.