
Não é engraçado pensar quantos somos em um só? Não se trata
de sermos duas caras ou de ser falso, mas de estarmos em construção. Não somos
seres prontos e programados por completo. Tampouco somos coerentes. Pelo
contrário, existe no interior de cada um de nós um pouquinho de “metamorfose
ambulante”. O que será que muda em nós por falarmos tão diferente quando
estamos entre amigos e quando estamos diante de uma multidão? Dá uma vontade de dizer que é a
timidez não é? Se for, a coisa fica mais complicada ainda. Então quer dizer que
uma característica minha – no caso, a timidez – faz com que eu seja duas
pessoas: a que fala bem e a que gagueja. Agora multiplique cada característica
sua por pelo menos dois efeitos diferentes em você que ela proporciona. E ai,
quantos milhões de “seres” cabem no seu ser?
E a nossa “incoerência” fica mais engraçada quando
se trata daquela pessoa em quem estamos interessados. Quem nunca ficou sem
assunto com a pessoa que mais gostaria de conversar enquanto esbanja conteúdo
com tantas outras pessoas? Realmente não nascemos pra ser um só, mas quem
inventou isso de sermos menos interessante, menos corajosos, menos confiantes
logo com quem nós gostaríamos de ser?
Deve ser um grande piadista quem inventou isso de
nos atrapalharmos tanto, quando parece chegar a hora. Ou talvez seja projeto de
Deus pra, de certa forma, amenizar as projeções. Quando temos a intenção de
amar, mais do que ver coisas boas em quem ama, temos a característica de sermos
nós mesmos. Quem gosta de verdade não faz teatros, pois não consegue fazê-los.
Apenas se expõem, correndo o sério e comum risco de não serem levados a sério.
Por isso aquela pessoa mais sem graça pode ser a
melhor pessoa pra nós. Pois ela não erra por não saber ser mais interessante.
Ela comete erros, muitas vezes, porque se importou o suficiente com você pra
não querer errar.
Quem realmente quer não quer enganar, pois vive
dentro de si a vontade de doar o seu melhor. E o melhor que temos a oferecer,
sem relativismo, é a nossa incoerente autenticidade. Por isso quando, apesar
das trapalhadas, conseguimos conquistar alguém que também erra na nossa frente,
tudo muda e fica mais colorido. Os pássaros voltam a cantar, as flores a
florescer, as músicas a emocionar e os sorrisos a desabrocharem. Os que gostam
são tão sem sentido, tão imperfeitos, tão bobos... Ah como eu quero ser assim
também.